Formação: Médico
veterinário, formado pela Universidade Federal de Uberlândia na primeira turma
de Medicina Veterinária em 1976. Mestrado pela Universidade Federal de Minas
Gerais em 1980. Doutorado pela Universidade de São Paulo em 1984.
13 anos de aula na UNIUBE.
Uniube Med Vet: Como surgiu a oportunidade de trabalhar na UNIUBE?
Humberto Eustáquio Coelho: Na época do planejamento da
fundação do curso, eu era Pró-reitor da UFU e o prof.º Marcelo Palmério nos
consultava e me prometeu que quando chegasse a hora da Patologia, eu viria para
cá. E foi isso que aconteceu.
Uniube Med Vet: Qual é a importância do Hospital Veterinário para o curso de Medicina
Veterinária?
Humberto E. C.: O hospital é fundamental e
indispensável para um curso de medicina veterinária. É nele onde o aluno possui
a oportunidade de praticar e conviver com a realidade dos atendimentos.
Uniube Med Vet: Na sua visão, a fundação do HVU junto com o curso foi essencial para o
sucesso?
Humberto E. C.: Eu tenho a maior certeza disso.
Quando eu comecei a dar aulas aqui, ainda não havia o hospital. Era muito
difícil. Por exemplo, no nosso setor de patologia, o Sr. Hélio (Farmacêutico e
Técnico de Laboratório) tinha um carrinho verde que nós chamávamos de
ambulância do Sr. Hélio. Ele saía procurando cachorros mortos na rua ou da
zoonoses para fazermos as necropsias. Isso era um horror. Nessa época, não
fazíamos necropsias em bovinos. Após a inauguração do hospital, tudo mudou.
Hoje nós não damos conta de fazer todas as necropsias.
Uniube Med Vet: Com mais de 18 mil necropsias realizadas, 6 livros escritos e 500 artigos publicados por você, qual é a importância
da patologia para os alunos terem o contato com os animais?
Humberto E. C.: Às vezes, a disciplina Patologia
não é bem compreendida. Porque ela é “suja e fedida”. Os alunos chegam com
certo receio, pois aqui tem que por a "mão na massa". Acredito que se
o indivíduo quiser realmente entender o vivo, ele tem que conhecer primeiro o
morto. O morto é um livro aberto que te dá todas as lições da vida. Contudo,
isso é muito filosófico para ser dito, mas é muito prático abrir um animal. É
muito importante você visualizar topograficamente as vísceras e os problemas
que acontecem. Se o indivíduo quiser, realmente, ser um profissional de
medicina veterinária, ele tem que saber patologia. Se ele não souber, ele vai
conseguir ser um profissional, mas não será um bom profissional. Sem o
conhecimento de patologia, ele será no máximo um charlatão.
Uniube Med Vet: Como foi seu envolvimento com a patologia? Você sempre quis ser
patologista?
Humberto E. C.: Não. Na verdade, eu queria ser
fisiopatologista. Eu queria trabalhar com reprodução. Que era uma área
maravilhosa. Na minha época, em 72, 73 e 74, quando eu fiz reprodução, eu
falava que esse era o meu campo. Era um sonho. O máximo que fazíamos era Inseminação
Artificial. Congelávamos o sêmen, depois víamos nascer o bezerro que
inseminamos. Era fantástico! Eu jurava que esse era o meu caminho. Só que na
vida não é assim. Eu me preparei para ser um fisiopatologista da reprodução e
um obstetra. Após me formar, fiz cinco concursos. Passei em todos. Mas acabei
indo trabalhar em um emprego em que eu não era concursado. E que hoje é muito
disputado, que é o de professor de universidade federal. Quando eu comecei a
dar aulas, a faculdade em que eu lecionava era particular. Mas, depois foi
integrada a rede federal. Como eu já trabalhava lá, fui integrado ao quadro de
funcionários. Por isso, eu digo que entrei pela porta da cozinha, sem ser
convidado. Antes de isso acontecer, eu estava indo trabalhar em Cuiabá, isso foi
em julho de 1976, mas deixei de ir exatamente no dia em que ia viajar. Até
então, eu ganhava 3 milhões e 800 mil cruzeiros. Depois fiquei sabendo que no
emprego que dispensei, eu ganharia 7 milhões de cruzeiros. Eu já era professor
de biologia e os valores não me importavam. O pessoal sabia que eu tinha jeito
para a coisa. Por isso, eu deixei tudo para ser professor.
Na época eu pensei “agora eu vou
ser professor em uma universidade e vou escolher o que eu quero”, pois a escola
era nova e minha turma era a primeira a ser formada. Pensei que iria escolher o
que eu gostava. Entretanto, no outro dia, me perguntaram se eu já tinha
decidido o que eu iria fazer e me pediram para procurar o professor Lúcio. Ele
era vice-diretor e me convidou para a patologia. Achei que eu estaria perdido,
pois não tinha outro caminho, mas disse pra eu mesmo que iria enfrentar. Fui
conversar com ele e disse: “Professor, eu estou aqui“. E ele disse assim: “Você
aceita almoçar, jantar e viver patologia? Patologia é isso. Eu mandei te chamar
porque sei que é bom. Você é professor. Você foi bom aluno. Eu preciso de gente
como você. Você aceita?”. Eu aceitei. Na mesma hora, ele “jogou” um livro
pesado em meu peito e disse: “Então vai. Daqui um mês nós começamos”. Comecei
em agosto daquele ano e nunca mais parei. Ao chegar a minha primeira necropsia
eu disse: “Agora eu estou perdido”. Pois fui um menino que não podia ver um
cachorro morto na rua que desviava o olhar. Mesmo assim, me convenci de que
teria que gostar e usei a frase de Leonardo Da Vinci, que eu não imaginava que
era dele: “O sábio não é aquele que faz o que gosta, mas é aquele aprende a gostar
do que faz”. Hoje, se fosse preciso escolher, eu escolheria a patologia sem
nenhuma dúvida. Eu não sabia que a patologia iria ensinar-me tanto. Aprendi
muita coisa em minha vida vendo um morto.
Uniube Med Vet: Sua filosofia de ensino é
entendida por poucos. Até alguns profissionais da área são contra. Mas os
alunos te adoram. Qual é o segredo disso?
Humberto E. C.: Existem duas vertentes, uma é ser
simplesmente professor e a outra e ser educador. Infelizmente, se você me
perguntar: “Qual é o tipo de arvore que mais tem no mato?”. Eu irei te
responder que são as arvores tortas. Analogamente, se você me perguntar: “O que
mais tem em uma escola?”. Eu responderei: “Professor torto, ruim”. Esses
indivíduos simplesmente acham que estão ali para serem professores. Esse tipo
de professor chega na sala e só fala blá, blá, blá. Fica repetindo o que está
nos livros. Entra nas questões mais difíceis. Acha lindo quando o aluno não sabe
responder suas perguntas. Isso é professor. Educador é ser outra coisa.
Educador é aquele que está inteiramente preocupado com todos os alunos.
Principalmente com os ruins, pois os bons já progridem sozinhos. Cada um tem um
problema e nós temos que entender o problema de todos. O educador é esse. É
aquele que muda a vida do outro. É aquele que está interessado na vida do
outro. É aquele que quer o bem do outro. É aquele que entra em uma sala e fala:
“Não vim aqui para reprovar ninguém. Eu vim aqui para ajudar vocês”. O
professor, pelo contrário, pensa assim: “Quanto mais reprovar melhor. Eu sou
bom demais, olha o tanto que eu reprovo!”. Ele fica com vergonha quando todo
mundo passa. Ele diz: “Nossa! Deve haver alguma coisa errada comigo, está
passando todo mundo”. Isso é uma idiotice. Isso é não saber a missão que foi
dada pelo universo, de poder envelhecer junto com os jovens. Poder passar cada
dia aprendendo com eles e ensinando-os. Mostrar os caminhos para ser melhor.
Tratar o aluno como um filho, pois eles são os filhos que nós não tivemos e que
a vida está dando a oportunidade de ajudá-los. Isso é ser educador.
Infelizmente, o “pau” que mais tem nas universidades é a árvore torta. As
“árvores” retas, que são aqueles que querem ser educadores, quase não existem.
São poucos que possuem a vocação de querer ajudar o próximo. É muito bonito
quando você descobre que tem essa vocação. Você tem a capacidade de mudar as
pessoas que estão em volta de você. Elas são felizes com você. Ao ver o
crescimento delas, você alcança a felicidade. Imagina se eu fosse um professor
como esses que existem? Os laboratórios de patologia do Brasil inteiro são um
horror. Mas aqui não é. Porque nós estamos aqui compreendendo aluno de forma
diferente. Nós estamos aqui para promover o aluno. A promoção do aluno é a
promoção humana. Eu penso que todos deviam ser assim. O mundo seria muito mais
fácil. Estudar seria muito mais gostoso. Imagine se quando os alunos chegassem
aqui eu maltratasse todo mundo? Ainda mais nesse ambiente “sujo, pesado e
fedido”. Todo mundo iria embora. Falariam assim: “Nossa! Hoje tem patologia...
Cruz credo! Nossa Senhora! Ave Maria! Catinga de Bode!”. Mas, da forma que
somos, isso não acontece. Pelo contrário. Os alunos falam: “Nossa! Que dia
gostoso! Hoje tem patologia! Chega lá e ainda tem cantoria!”. A felicidade é
algo que se conquista e se reparte. Se você não dividir ela se perde. Não dá
para ser feliz ontem, pois o ontem já passou, e nem amanhã, porque ele ainda
não veio. Ou se é feliz hoje ou jamais você será. Por esse motivo, eu não perco
minhas oportunidades de ser feliz.
Uniube Med Vet: Poucas pessoas sabem como a saúde
animal é influente na saúde humana. Na sua visão, qual é a importância do
médico veterinário para a humanidade?
Humberto E. C.: O médico veterinário é tão
importante como qualquer outra profissão. Só que nós mesmos ainda não estamos
sabendo da nossa importância. O que faz o médico veterinário ser importante é o
conhecimento que ele tem. A medicina veterinária é uma das profissões mais
ecléticas que existem. Só perde para os advogados. Hoje, no Brasil, nós temos
110 possibilidades de ser veterinário. É uma profissão extremamente útil. Se
você pensar do ponto de vista de saúde, você terá as zoonoses. Além disso, cada
dia mais o mercado “pet” cresce. É tão comum você ver as pessoas chorando por
causa de seu gatinho ou cachorrinho. Esses animais precisar estar sempre
sadios, pois são muitas doenças em comum. No âmbito da produção animal, me
parece mais nobre ainda. O mal que mais aflige a humanidade é a fome. E somos
nós que produzimos alimentos de qualidade e com quantidade. Nosso país é o
maior exportador de carne de frango e bovina. Mais de 30% de toda a carne
consumida no mundo sai do Brasil. Nós fazemos parte dessa cadeia produtiva.
Desde a produção do bezerro, da recria, engorda e ainda fazemos a inspeção. Se
formos colocar o pingo em todos os “is”, não existe profissão mais importante
para a humanidade que a nossa. O médico cuida da saúde do homem, mas nós
cuidamos da saúde humana indiretamente. É mais importante curar o indivíduo ou
não deixar que ele adoeça? Nós não curamos o homem, mas estamos lutando para
que ele não adoeça. Pois quando ele come qualquer alimento de origem animal que
seja saudável, ele evitará adoecer. O ideal é esse: “Prevenir para não ter que
remediar”. Entretanto, o Brasil ainda não entende isso. Mesmo assim, já
melhoramos muito. Hoje em dia se você for ao Canadá, nos EUA, na Itália, na
França, eles já entendem o veterinário de outra forma. Eles valorizam e dão
importância ao médico veterinário. Quando eu me formei veterinário, aqui era
diferente, as pessoas acharam que era doutor só de cachorro.
Uniube Med Vet: Há uma previsão do CFMV de que a
partir de 2014, irá sobrar médico
veterinário no país. A seu ver, qual deve ser o diferencial para os alunos que
estão entrando e para os que já estão se formando para ase destacarem no
mercado?
Humberto E. C.: Há de ter competência. Quem tem
competência, tem espaço. Podem sobrar vagas no mercado, mas não haverá lugares
para os incompetentes. Mesmo que eles tenham um padrinho que os coloque para
trabalhar, eles vão e ficam pouco tempo. Está cheio de exemplos de pais que
colocaram seus filhos incompetentes para trabalhar e que durou pouco. Eu já
acompanhei a vida de muitos assim. A vez do competente, não chega rapidamente.
Ela pode demorar um pouco, mas nada acontece por um acaso. Os incompetentes são
os mais afoitos. Eu digo até uma frase que é assim: “O porco magro vai à espiga
melhor, mas não consegue de comê-la”. O lugar do competente estará sempre a sua
espera. O excedente de profissionais será de incompetentes. Tem muitos alunos
que não sabem o que estão fazendo aqui. E são com essas pessoas que mais nos preocupamos.
Pois elas precisam decidir se entregar para o assunto ou desistir. Ser
veterinário não é só gostar de animais. Às vezes, gostar demais atrapalha, pois
você fica com dó em excesso. Você não tem que ter dó do animal, você tem que
respeitá-lo. É diferente. Dó é um sentimento bobo. Você deve ter mais do que
dó, você tem que ter piedade e respeito.
Uniube Med Vet: Deixe seu recado de incentivo para os
estudantes:
Humberto E. C.: A escola é um lugar sagrado. Aqui
se contempla o conhecimento. E o conhecimento é tão importante que aproxima o
ser de Deus. Não perca nenhuma oportunidade. Estude e aproveite seu tempo e as
oportunidades que surgirem.
Eu quero deixar um recado
especial aos alunos da UNIUBE. Não conheço escola de veterinária melhor que
essa no Brasil. Eu não conheço todas, mas conheço muitas. Ela bate nas
federais, pois dá a oportunidade de praticar e veterinária é prática.
Como sempre, no fim de suas aulas, fica aqui algumas das músicas que a dupla Ébano & Marfim (Hélio e Humberto) cantam para a alegria dos alunos.
" Palavras são palavras, muito mais que palavras." Falou e disse Prof. Humberto...
Parabéns à equipe do blog Uniube Med Vet, e parabéns ao professor, na verdade, educador e amigo Humberto. São educadores como esse que estão em falta realmente em todas as instituições de ensino. Tenho um grande prazer de ser aluno desse grande Médico Veterinário.
esse é o cara, nao vejo a hora de fazer patologia
Entrevista mais que perfeita.Palavras sábias do professor Humberto tanto para seus colegas de trabalho que os ensinam quanto para os alunos.Parabens ao blog por esta entrevista.
Um dos maiores educadores que conheci um patologista excelente, parabéns ao blog e ao Humberto pela entrevista sucesso e tudo de bom.
Nossa, que saudade do grande mestre Humberto! Sorte de quem o teve como professor, ou ainda terá! Sempre ensinando da melhor forma, autêntica, única...um grande amigo!
Muito orgulho de ter sido aluna deste grande Educador.
Com certeza é uma pessoa muito especial na vida de todos os seus alunos, e esta entrevista é só mais uma amostra do porque.
Muitas saudades.
Muito carinho pelo Professor Humberto.